Em pleno calor da disputa pelas eleições municipais de 2024, o aplicativo Pardal, lançado pela Justiça Eleitoral, já registrou mais de 38 mil denúncias de propaganda irregular. Criado para funcionar como um “dedo-duro” digital, o Pardal é a ferramenta que permite ao cidadão comum participar ativamente da fiscalização das campanhas eleitorais, e o brasileiro parece estar bem atento. O primeiro turno está marcado para o dia 6 de outubro. O segundo, que acontece em algumas cidades, será no dia 27.
A saga das denúncias
Como esperado, a maioria das denúncias está relacionada à corrida pelas cadeiras de vereador: são mais de 20,7 mil reclamações pedindo apuração de possíveis infrações. Já as campanhas para prefeito acumulam pouco mais de 10 mil denúncias até agora. E as eleições nem chegaram ao primeiro turno. Ao que tudo indica, as semanas que antecedem o pleito serão movimentadas no universo das denúncias.
Os tipos de irregularidades? A maioria está longe do novo e revolucionário mundo da internet, embora 11% dos relatos envolvam campanhas digitais. Mesmo com a proliferação das redes sociais e o papel delas nas campanhas eleitorais, o bom e velho mundo analógico da propaganda física ainda reina quando o assunto é irregularidade. Nada menos que 89% das denúncias se referem a infrações envolvendo placas, faixas, cartazes, cavaletes e, claro, o onipresente carro de som.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em seu monitoramento oficial, tratou de esclarecer o próximo passo após o registro das denúncias: “As informações são encaminhadas ao juízo eleitoral competente, para que este exerça o poder de polícia eleitoral”, diz uma nota protocolar da corte, que em tempos de campanha eleitoral soa quase como uma ode à burocracia.
O mapa da irregularidade
E se a cidade de São Paulo é a locomotiva do Brasil em muitos aspectos, também lidera o ranking das infrações eleitorais. O Estado paulista já acumulou 7.586 denúncias de propaganda irregular, seguido por Minas Gerais, com 4.705, e o Rio Grande do Sul, com 3.930 registros. Esses números refletem diretamente o tamanho do colégio eleitoral, mas também, é claro, a criatividade local para driblar as regras da campanha. Carros de som que parecem estar acima da lei, banners instalados em muros proibidos e cavaletes que surgem como flores de plástico nas praças públicas são as principais queixas.
Em São Paulo, capital de 12 milhões de almas e quase o mesmo número de candidatos a vereador, as denúncias de propaganda irregular vêm fervendo desde o início da campanha. Os candidatos parecem estar aproveitando cada canto da cidade para colar suas promessas, mesmo que alguns locais sejam, na prática, proibidos. Há relatos de propaganda em igrejas, escolas e até em consultórios médicos.
A volta dos que não foram
Curiosamente, apesar da presença cada vez mais forte do ambiente digital nas eleições, as infrações ligadas à internet correspondem a apenas uma fração das denúncias. Os outdoors digitais, lives patrocinadas e publicações impulsionadas nas redes sociais têm, sim, gerado queixas, mas o maior volume de reclamações ainda vem da velha política de cabos eleitorais espalhando cartazes e carros de som cruzando os bairros. É como se a digitalização da política ainda tivesse um longo caminho a percorrer até alcançar a sua face mais primitiva: a propaganda irregular nas ruas.
Com 11% das denúncias relacionadas à internet, o Pardal revela que, embora o terreno digital seja um novo campo de batalha, a velha disputa por espaço nas ruas continua sendo a mais problemática. A ferramenta digital permite que eleitores fotografem, filmem ou gravem áudios de supostas infrações e enviem diretamente para a Justiça Eleitoral. E o brasileiro, como se sabe, é bem informado: basta olhar a quantidade de vídeos gravados com celulares para entender que a política, no Brasil, não se faz só nos palanques.
Pardal, o vigilante eleitoral
Lançado pela Justiça Eleitoral em 2016, o aplicativo Pardal foi desenhado para aproximar os cidadãos da fiscalização das campanhas eleitorais. O app já passou por várias atualizações desde então, se modernizou e, hoje, permite que o usuário faça a denúncia diretamente pelo celular, enviando material comprobatório como fotos, vídeos e áudios.
A simplicidade da ferramenta é um de seus grandes atrativos. Não é preciso ser um especialista em legislação eleitoral para enviar uma queixa: o eleitor apenas relata a possível infração, junta as provas e espera que o juízo competente faça o resto. O problema, como sempre, é o tempo que leva entre a denúncia e a eventual punição, se é que ela acontece. Nas eleições passadas, por exemplo, muitas queixas foram arquivadas sem maiores consequências. Mas o Pardal segue, teimoso, seu caminho de tentativas de arrumar a bagunça.
A questão da propaganda eleitoral é apenas um dos muitos desafios que o TSE enfrenta em tempos de campanha. As fake news e o uso indevido de dados nas redes sociais estão entre os grandes temores das autoridades eleitorais para este ano, e a corte tem investido pesado em campanhas de conscientização. Mas, para muitos eleitores, a realidade ainda é tangível demais: são as ruas sujas de panfletos e o barulho dos carros de som que incomodam.
Quando a política é barulhenta
Os carros de som, que há algumas décadas eram o carro-chefe das campanhas eleitorais, agora são alvo de novas regulamentações. A legislação estabelece horários e locais permitidos, mas, como mostra o aplicativo Pardal, muitos candidatos ignoram as regras, especialmente em cidades menores, onde o controle é menos rígido. Não é raro ver – ou melhor, ouvir – esses veículos rodando os bairros até tarde da noite, transformando a disputa eleitoral em uma espécie de guerra sonora. E o eleitor, acuado, se agarra ao celular para tentar frear a balbúrdia.
É assim que o Pardal vai registrando, uma por uma, as queixas da eleição. E é assim que, apesar de toda a tecnologia disponível, o pleito de 2024 ainda carrega velhos problemas, dos mais analógicos possíveis.